Relato da viagem feita a várias cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro em busca de memórias das famílias Barcel(l)os e Sette Pinheiro.
Autor e fotos - Rafaello de Barcelos
Comentários das fotos - Marcos

Viagem realizada entre os dias 29/10 e 2/11 de 2004

AVENTURAS MINEIRAS (1)

Depois de São Paulo, agora é Minas que vai ficar na berlinda durante um bom tempo. Há cerca de um mês, exatamente no decorrer do prolongado feriado de finados, escapei da rotina explorando alguns cantos mineiros. No total, fomos em quatro. Eu, minha mãe, minha tia Dora e meu tio Marcos. Para início de conversa - mineiro adora 'garrar' na conversa - na terça-feira anterior, quando minha mãe acertava alguns detalhes da aventura com tio Marcos, cogitei a hipótese de acompanhá-los nessa empreitada. Por ele ser o motorista e o principal incentivador da viagem, teria que haver a suprema autorização dele que foi concedida principalmente pelo fato de ainda ter espaço no carro.

Na quinta-feira, saí de casa por volta das três e meia da tarde rumo à rodoviária do Rio para pegar o ônibus que sai diariamente para Campos do Jordão e que passa, sendo meu ponto final em Guaratinguetá. Cheguei lá procurando o guichê da empresa Três Amigos. Rodei durante alguns minutos até pedir informação para o guichê do lado - se não me engano era o da 1001 - e eles me dizerem que era na cabine da 'Beltour' que eu teria que ir. Incidente contornado, às cinco da tarde em ponto parte o ônibus que sai do itinerário apenas para fazer uma rápida passagem em Barra Mansa e depois retorna à estrada fazendo a tradicional parada de vinte minutos, ás sete e quinze, em Resende - o único lugar em que eu faço questão de comer no Mc Donald. O ônibus me deixou em Guará por volta de nove da noite. Foi o primeiro de seis dias de estrada.

O segundo começou cedo. Por volta das oito da manhã saímos, eu e meu tio, com destino a cidade de Vassouras em busca de elos perdidos. Elos de um passado distante, galhos perdidos da árvore genealógica que meu tio está empenhado e deixá-la frondosa para que a minha e gerações posteriores a mantenha e cultive periodicamente. Questão de registro mesmo. Chegamos lá por volta das onze e meia da manha procurando uma biblioteca municipal para acharmos escritos sobre os antepassados. Na mão, um nome, ou melhor, um título nobiliárquico: o 'Barão de Santa Fé'.

A cidade é bem cuidada no que diz respeito à história dela que se confunde com a era cafeeira do país. A igreja com um grande campo na sua frente, a prefeitura municipal, lá chamado de paço, a câmara de vereadores e a antiga estação de trem, atual reitoria da Universidade Severino Sombra, a que impera na cidade. Algumas casas coloniais, onde nasceram os barões da região, têm placas afixadas em suas paredes dando indicações de quem era, o que fez e etc... Atrás da igreja estão plantadas dezesseis figueiras representando os barões de cape que dominavam aquela área.

Pela hora que a gente chegou lá na biblioteca da cidade, também conhecida como Casa da Cultura, também no perímetro da igreja, não era um horário apropriado já que a responsável pelo serviço bibliotecário tinha saído para cumprir seu horário de almoço. Foi o que nós fizemos também, aproveitando o hiato de tempo. Atravessamos a praça defronte a igreja e entramos num restaurante caseiro de comida a quilo que ficava no porão de um daqueles casarões antigos. Eu disse porão mesmo, com paredes grossas e de pedras e as taboas do assoalho rangendo a cada passo que davam sobre nossas cabeças. Bastante interessante.

Pois bem, voltamos para a casa da cultura, agora com a responsável em seu devido posto. Tio Marcos explicou a ela a situação de nossa aparição pela cidade e perguntou se lá havia livros que faziam referências aos barões, em específico o de 'Santa Fé'. Ela, muito solícita, nos ajudou trazendo alguns livros que, se não continham a informação, ao menos, os caminhos eram explicitados. Como o tio Marcos sabia o que procurava e eu estava lá meio que de bicão, procurava nos livros referências sobre os nomes que nos interessava e deixava aberto na página para dar menos trabalho a ele.

figueiras dos barões do café

 

Em Vassouras - RJ

16 figueiras representando os 16 Barões do Café 

 


 

AVENTURAS MINEIRAS (2)

Ao esgotarmos todas as possibilidades, perguntamos para a bibliotecária se não haveria um lugar onde poderíamos ver certidões e documentos da época. Ela nos indicou a casa paroquial que ficava na mesma rua a poucos passos dali. Fomos até lá e o responsável nos disse que não iríamos encontrar nada ali e seria melhor nós irmos até o tal CDH (Centro de Documentação Histórica) da cidade que é bancado pela universidade. Ele nos indicou o caminho. Pegamos o carro e fomos. Acabamos nos perdendo. Era pra ir prum lado e a gente foi pra outro. Coisas de forasteiros de primeira viagem. Por sorte, acaso, conspiração do destino ou seja lá que nome se dá a isso, na rua em que entramos por engano, no lado oposto da cidade ao qual deveríamos ir, paramos para pedir informação e o sujeito que nos situou era amigo de um dos responsáveis do CDH.

Finalmente chegamos ao CDH. Isso devia ser por volta das duas e meia da tarde mais ou menos. Foi uma tarde proveitosa, pois quase toda a documentação estava cadastrada num sistema informatizado. Era só digitar o 'Barão de Santa Fé' no campo de busca que vinha a relação dos documentos. E num deles a gente descobriu o nome de um sujeito, cujo nome não me recordo agora, que casado em segundas núpcias com uma das filhas do nosso barão, era um tremendo picareta e deu, ou pelo menos tentou dar, um golpe do baú justamente na época da decadência do império e do domínio do café. O documento trazia um pedido de ação jurídica contra esse sujeito impetrada pelo barão, cobrando uma dívida. Mas a gente descobriu que era segundas núpcias lá mesmo, no CDH, confrontando documentos com os nomes envolvidos. Havia a certidão de casamento desse sujeito com a primeira esposa, e pelas datas dos documentos a dedução se fez fato concreto.

Saímos saltitando de felicidade do CDH com boas, vastas e polpudas informações que nos valeram muito, por volta das cinco da tarde rumando dessa vez para a cidade mineira de Barbacena, fazer uma breve visita à parentada de lá e pernoitar para pegar mais estrada no dia seguinte. Aí que entram minha mãe e minha tia Dora. Elas saíram de Niterói num ônibus extra das três e meia da tarde e nós marcamos de nos encontrar na casa da tia Isa, em Barbacena, no entanto, pouco depois de nós entrarmos na estrada que liga o Rio a Minas, a BR-040, tentamos fazer contato quando atravessamos um pedágio por nos emparelharmos com um ônibus da empresa que faz a ligação entre as duas cidades, mas o telefone celular não deu sinal. Resolvemos então parar para ir ao banheiro e comer algo, pois já era em torno de sete da noite e nós não comíamos desde o almoço, meio dia e pouco. Foi quando o contato foi estabelecido, descobrimos que estávamos perto e o ônibus iria fazer uma parada a poucos quilômetros de onde eu e meu tio tínhamos parado. Rapidamente entramos no carro e saímos estrada a fora. Em poucos minutos quem estava nos seguindo? O ônibus em que elas estavam. Toca meu celular. Minha mãe confirmando esse ato. Trocamos de posição deixando o ônibus passar na nossa frente para escoltá-lo até a parada, já que nós não sabíamos onde era exatamente a parada estratégica que o ônibus iria fazer.

Se tivéssemos combinado, não teríamos acertado em cheio. Minha mãe aproveitou para se juntar a nós, já tia Dora, alegando ser o banco do ônibus mais confortável pra ela preferiu seguir viagem sem se transferir para o carro até a rodoviária de Barbacena. O combinado, então, foi de pegá-la na rodoviária da cidade e irmos para a casa da tia Isa, antes passando num hotel para reservarmos um quarto para o pernoite, exceto tia Dôra que iria ficar de qualquer jeito na casa da tia Isa. (Para fins de dúvida, tia Isa é tia da tia Dôra, da minha mãe e do tio Marcos.) Sabe como é mesa de mineiro. Aquela fartura. E em torno dela os dois dedos longos de prosa em que se agarra.

AVENTURAS MINEIRAS (3)

Não vou me ater a detalhes da conversa por dois motivos: o primeiro é que prolongará ainda mais o relato da viagem e o segundo é que passados pouco mais de um mês eu já esqueci. Enfim, fomos para o hotel dormir e na manhã seguinte tive o prazer e a felicidade de tomar café da manhã por duas vezes. Uma no próprio hotel, cujo preço da diária já incluía a refeição e logo depois, na casa da tia Isa, quando passamos por lá para pegar tia Dôra e nos despedir temporariamente dela, da Isinha e da Ana. Antes de pegarmos por definitivo a estrada, ainda passamos num pequeno centro comercial para falarmos com a Ângela, na loja dela.

A idéia era durante o itinerário, passar na casa do Fernando Antônio, caçula da tia Isa, em Conselheiro Lafaiete para seguirmos viagem, mas o destino não quis que fosse assim. Ao sairmos da cidade de Barbacena, já na estrada e depois de uma parada estratégica para o abastecimento do veículo, mais uns cinco minutos de estrada e um grandioso engarrafamento de parar o trânsito literalmente. Uma hora parado até que providenciaram um pequeno desvio, em ambos os sentidos, pelas laterais da estrada para passagens dos automotores. Um caminhão do tipo baioneta estava tombado e bloqueando a estrada devido a um acidente sofrido, ao que tudo indicava, por perda de direção.

A passagem por Conselheiro Lafaiete, a princípio seria somente uma passagem. No entanto, devido ao incidente, chegamos lá por volta da hora do almoço. Fernando Antônio e Maggie já estavam preocupados com o nosso atraso, visto que eles foram avisados que nós passaríamos rapidamente por lá. Depois de explicada a situação e de revelado o objetivo da nossa viagem, o convite para o almoço, educadamente recusado e por sua vez, recusado a recusa com a insistência, também educadamente, comemos uma iguaria que não era tipicamente mineira, mas era gostosa da mesma forma. A receita, quem quiser, me peça depois. É o macarrão mais fácil e rápido de ser feito.

Como diz minha mãe, barriga cheia, mão lavada e pé na estrada. A hora corria mais que a gente e de lá, após algumas informações confirmadas pelo Fernando Antônio, a melhor opção de estrada para chegarmos à cidade de Ponte Nova era a Estrada Real que liga Conselheiro Lafaiete a Ouro Preto e de lá a gente iria pegar um trecho de outra estrada para finalmente aportarmos em Ponte Nova.

Estrada Real

 

Estrada Real - MG


 

 

A Estrada Real talvez seja a mais bem conservada de Minas Gerais. Pelo menos, das que a gente passou, era a que menos oscilações tinham na pista, e olha que em termos de oscilações em estradas o Fiat Uno 1.0 do tio Marcos dá um show de resistência que carros mais novos provavelmente não suportariam. A estrada tem uma paisagem boa, merecida de fotografias, e eventualmente aparecem construções do tempo em que a realeza mandava nessas terras. Acredito que por esses motivos históricos é a mais bem conservada de modo que não é recomendada a passagem de caminhões por ela, apesar de algumas visíveis desobediências.

Ouro Preto certamente e Mariana, se não me engano, foram vistas de sua área perimetral. O sol já estava baixo quando chegamos a Ponte Nova, mais adiante. A dúvida que pairou era se aproveitaríamos pó pique e o espírito incumbido em nós e tocaríamos direto para Santa Cruz do Escalvado, ou se deixássemos essa visita para o dia seguinte, quando estivéssemos mais relaxados. Prevaleceu a primeira opção. Santa Cruz do Escalvado, aí fomos nós. A única parada que fizemos foi na padaria para pedir informações de qual o caminho adequado. Muito solícito, um nativo nos indicou e guiou até certo ponto. Creio que não dava mais de quarenta quilômetros de distância entre as duas cidades, mas, para quem estava indo pela primeira vez, parecia que não iria chegar nunca, mesmo com as placas indicativas. Apreensivos, chegamos onde tudo começou.

AVENTURAS MINEIRAS (4)

Nunca tive uma experiência com abdução extraterrestre. Contatos imediatos de grau zero com seres verdes de corpos longos e finos e cabeças do tamanho de melancias. No entanto, pelos relatos que a gente ouve em documentários de TV e lê em livros de ficção, acho que a experiência pela qual passamos se aproxima das informações descritas. Não que nós tenhamos feito contato com seres estranhos. No nosso caso, éramos os próprios extraterrestres.

Imagine só um carro como o Fiat uno azul metálico com placa de Guaratinguetá chegando à cidade, parando defronte ao coreto na praça da cidade e dele saindo quatro pessoas absolutamente estranhas ao ambiente da cidade - que mais parece ainda um vilarejo - munidas de máquinas fotográficas, agendas e etc. Ninguém entendeu nada e nos observavam com caras indagadoras. E como novidade em cidade pequena corre mais rápido que rastilho de pólvora, em pouco tempo as pessoas se aproximavam das janelas das casas para ver quem eram aqueles quatro forasteiros que surgiram na cidade.

Ponto de referência para busca de documentos antigos em cidade do interior - e pequena - é a igreja. No momento em que chegamos, ela estava fechada apesar de sermos recebidos ao toque falso de sinos e avisando a população que eram seis horas da tarde. Falsos porque não passava de um alto-falante instalado próximo ao campanário. Valeu a intenção. Havia somente na casa paroquial um senhor que não era de Santa Cruz, e sim de Ponte Nova, que estava lá como missionário trancado pelo padre que, se não me engano, havia saído em procissão com outros missionários já que as missões estavam no fim e a missa de agradecimento pelo término dessas missões seria dali a instantes.

Igreja Matriz

 

 

Igreja Matriz de Santa Cruz do Escalvado

 

 

Defronte a igreja havia uma barbearia com duas cadeiras e um barbeiro que pela aparência era provável que em algum momento sua vida tenha cruzado com a vida dos personagens que buscávamos. Minha mãe tentou uma conversa com ele que foi simpático e atencioso, mas não conseguiu tirar muitas informações dele. Resolvemos, então, dar uma volta na cidade e conhecer o lugar onde minha avó passou infância e juventude até ser encontrada pelo meu avô.

Nesse trecho devo, e estaria cometendo uma omissão enorme se esquecesse, destacar e ressaltar a esplêndida e grandiosa memória da minha tia Dora. Não é a primeira vez que ela tinha ido a Santa Cruz do Escalvado. Porém, em sua primeira visita, tinha sido há cinqüenta e seis anos, ou seja, antes mesmo da minha mãe nascer. Não se lembrava de todos os detalhes de sua estadia por lá, apenas os mais importantes e marcantes para uma criança de quatro anos de idade. Tão marcantes que ela sabia do local exato onde ficava a chamada 'casa grande' que, a saber, ficava ao lado da também extinta casa do padre. Tudo isso porque ao passar pelo local ela reconheceu uma cerca, que não era a da época, mas tinha o mesmo estilo, que fazia a divisão entre as duas casas. Olhando ao redor, reconheceu também uma fachada que ainda estava de pé onde hoje é o posto policial e nos contou um caso, outro marcante em sua temporada por lá, quando tinha fugido para o velório de um menino que havia morrido aos seis anos de idade e estava sendo velado numa casa ali perto e fugia para comer bolo em outra casa, acho eu - agora é minha memória que está me faltando.

Voltamos e finalmente encontramos a igreja aberta. O mesmo missionário trancado na casa paroquial agora estava prestes a recepcionar os fiéis que estavam pra chegar. Enquanto ele ficava nessa expectativa, nos apontou para uma senhora que estava na sacristia cuidando dos preparativos da missa. Ela sim era nativa e poderia ter informações que poderiam satisfazer nossas curiosidades em relação à vida da minha avó anterior ao casório dela com meu avô. E não é que ela conhecia a minha avó?

AVENTURAS MINEIRAS (5)

Apesar de ser sobrinha, minha avó era tratada como filha de uma pessoa revolucionária em Santa Cruz do Escalvado, sobretudo na questão educacional. E em conseqüência disso todos conheciam a tia da minha avó, de nome Georgeta, conhecida por lá como 'Sá George' e por aqui como Dodoge. A diferença de idade entre minha avó e essa senhora que cuidava da sacristia da igreja é de uns vinte anos. Mais ou menos a diferença entre ela e uma irmã que morava ali perto. Dona Jacira, nome dela, depois da nossa identificação como parentes da fundadora do grupo escolar, se surpreendeu com tão inesperadas aparições - como todo o resto da cidade, mas ela ainda tinha uma ligação mais afetiva com os fatos por ser uma nativa de mais idade - e após as trocas de algumas palavras, de lá mesmo da sacristia ligou para a irmã dela falando que nós estávamos lá e pedindo para que ela trouxesse uma foto antiga da cidade. Mais precisamente de 1921, ou seja, dois anos antes da minha avó nascer.

Vista de Santa Cruz do Escalvado em 1921

 

Vista de Santa Cruz do Escalvado em 1921

No centro, a esquerda, o casarão onde mamãe nasceu e foi criada

 

Nesse meio termo meu tio Marcos foi no carro pegar um álbum de fotografias onde algumas precisavam de identificação e, provavelmente, os nativos mais velhos poderiam identificar. A missa estava prestes a começar, os missionários e fiéis chegavam e ocupavam suas bancadas na igreja e Dona Jacira tinha que tomar as últimas providências pro início da celebração. Nós, então, a deixamos terminar os preparativos e caminhávamos para fora da igreja quando a própria Dona Jacira se lembrou de nos apresentar a uma outra pessoa, também dos áureos tempos da cidade (lê-se áureos tempos do início da década de 40 pra trás). Já na nossa apresentação como os parentes de 'Sá George' a comoção e a alegria tomaram conta da cara dela. Quando minha mãe e tia Dora disseram que eram filhas de minha avó, aí então que ela ficou mais feliz ainda. Mas surpresa maior quem teve foi a tia Dora quando ela disse o nome dela pra gente. Dica Pereira. Tia Dora prontamente disse que a conhecia e ela não desgrudou da mão da minha tia durante um bom tempo.

Relembrou da minha avó, recordava também do meu avô e de alguns fatos que ela não havia esquecido sobre o noivado deles e que pra nós era novidade. Com o anúncio do noivado, Georgeta, auxiliada pela população, fez uma plantação de painas de seda para que na época do casamento já estivessem a ponto de serem colhidas a fim de preencher o travesseiro do casal na noite de núpcias. Outro dado para constar nos autos da família relatado pela Dica Pereira: as 'meninas' ajudaram a fazer o enxoval da minha avó bordando crochê nas calcinhas da minha avó.

Imagino que em cidade do interior, principalmente do tamanho de Santa Cruz do Escalvado quarenta anos passados, casamento de quem quer que fosse era uma festa de parar a cidade. Em se tratando da sobrinha da dona do grupo escolar e praticamente educadora de todos os moradores da cidade, devia ser o maior evento do século. A mobilização de todos nos preparativos da festa já era um acontecimento.

Saímos de dentro da igreja, que enchia cada vez mais, e dos domínios da Dica Pereira. Lá fora, tio Marcos folheava o álbum de fotografias para uma outra senhora - cujo nome não me recordo agora - que por sinal era a mãe do prefeito de Santa Cruz do Escalvado. A tal irmã de Dona Jacira se aproximava subindo as escadarias da igreja com a tal foto antiga da cidade na mão. Dona Jacira nos apresenta à irmã dela. Nhanhá Dias é como ela é conhecida na cidade. Aliás, ninguém lá e conhecido por nome e sim por apelido.

Devido à falta de luminosidade suficiente, início da missa, cansaço da viagem e mais outros fatores, combinamos de voltar pra Santa Cruz no dia seguinte já que ainda tínhamos que voltar pra Ponte Nova e procurar um pouso para tomarmos um banho e passarmos a noite. Isso sem contar com a fome que castigava nossos estômagos.

AVENTURAS MINEIRAS (6)

Paramos o carro defronte a uma praça. Deveria ser a praça principal da cidade, visto que no entorno dela havia uma igreja e uma escola e eu não tinha reparado se existia outra maior que aquela. A primeira atitude que tomamos ao chegarmos a Ponte Nova foi a tentativa de contato através de um telefonema com Antônio Gil, primo dos meus tios e filho da tia Mimita, irmã mais velha da minha avó, que vem a ser a madrinha da minha mãe. O telefone dava ocupado constantemente. Resolvemos então ir em busca de um hotel. Havíamos passado na frente de dois, porém só tínhamos percebido um na avenida (ou numa das) principal.

Esse outro imperceptível, quem nos deu a dica dele foi um casal que estava saindo da igreja cujo carro estava estacionado atrás de onde o 'guerreiro azul' deu sua descansada. Eles deram essa dica pelo fato do dono ser parente deles. Acatamos a dica e seguimos para o hotel que não era lá grandes coisas. Pra falar a verdade era uma merdinha de hotel que mais parecia de alta rotatividade noturna, mas nada que nos incomodasse devido ao alto nível de cansaço em que nos encontrávamos. Eu e tia Dôra fomos andando. Não era tão longe e queríamos esticar as pernas. Aproveitamos para dar uma olhada nos bares da vida, naqueles que ainda poderiam servir uma boa refeição por àquela hora da noite de um sábado. Dentre os vários pelos quais passamos, o 'Labareda' nos chamou a atenção. No entanto, antes, o registro no hotel pra garantir a noite.

A gente logo percebeu que o hotel não era um bom lugar. Na discussão se ficaríamos ou trocaríamos, acabamos ficando. Mesmo por que assim que deitássemos na cama o mundo poderia cair que certamente estaríamos ferrados no sono. Deixamos nossa mala lá, trancamos o quarto e ao deixar a chave na recepção pedimos recomendação ao funcionário sobre qual o lugar em que poderíamos comer. O 'Labareda' foi o escolhido. Ainda cogitou-se outro que nem me lembro o nome, mas, segundo ele, o 'Labareda' tinha uma comida com tempero caseiro e de melhor qualidade. Foi pra lá que a gente foi sem antes tentar novamente falar com o Antônio Gil. Pedimos a lista telefônica para conferirmos se não tínhamos anotado o número errado ou coisas do tipo. O próprio atendente se ofereceu para procurar e ao saber quem estávamos procurando nos indicou logo a rua onde ele morava. A casa dele ficava a poucos metros do hotel. Ligaríamos para ele depois do jantar.

Fomos comer. Uma comida gostosa, bem temperada, caseira, um primor de comida principalmente para quatro estômagos famintos. Aquela refeição caiu como uma luva. Só tínhamos comido o mágico macarrão da Maggie em Conselheiro Lafaiete até então. Nosso sábado terminou logo depois, quando voltamos para o hotel tomamos um banho relaxante e despencamos na cama. Eu tive um sono pesado, de pedra, mais do que de costume e acredito que minha mãe e meus tios também. Devido à hora avançada o telefonema ficou para o dia seguinte pela manhã antes de voltarmos a Santa Cruz do Escalvado visto que havíamos combinado sobretudo com D. Nhanhá Dias uma visita para a manhã do dia seguinte a fim de recapitular histórias, identificar fotos e etc...

Acordamos. Eu não sou de comer quando acordo, salvo meu copo de leite com achocolatado. Mas em viagens, eu como por não saber a que horas comerei novamente estando em esquema como esse de cada dia dormir num lugar diferente. Quando hospedado na casa de outros, entro no ritmo dos anfitriões. Depois do café regado a sucos, saímos novamente para Santa Cruz não sem antes dar um telefonema para o Antônio Gil e conseguir, finalmente, falar com ele. Perguntou por que não tínhamos falado com ele antes. Explicamos a situação e prometemos que antes de ir para Belo Horizonte passaríamos na casa dele para lhe dar um longo abraço. Santa Cruz do Escalvado, aí fomos nós, novamente, com o companheiro de sempre, o 'guerreiro azul'.

AVENTURAS MINEIRAS (7)

Dissemos que chegaríamos logo após a missa dominical das oito da manhã. Realmente fizemos isso, mas o 'logo' não teve o imediatismo que lhe era cabível. A igreja já estava tomada pelas crianças da escola dominical. Ficamos meio perdidos nesse ínterim. (Devo dizer que o mais perdido fui eu, visto que não lembro se fizemos e o que fizemos entre a nossa saída da igreja e a entrada na casa da D. Nhanhá Dias.)

Ela nos recebeu com afeição e nós, com a tecnologia portátil, - lê-se gravador de bolso do tio Marcos - começamos a registrar os relatos dela sobre a cidade, a vida, o passado e tudo mais que ela conseguia lembrar (ouça o relato). A irmã dela, D. Jacira, também apareceu por lá e ajudou dentro das limitações da memória dela. Para surpresa nossa, ela guarda um tesouro. Duas fronhas bordadas pela Dodoge que cobriram o travesseiro dos pais dela quando casaram - acho que era isso. Um outro paninho bordado por Dona Nicota, outra parenta nossa não sei de que grau, também é guardado até hoje com sentimentalismo.

Nhanhá Dias, Gerusa, Auxiliadora e MarcosNhanhá Dias, Gerusa, Auxiliadora e Marcos 

Bordado feito por Dodoge para o casamento dos pais de Nhanhá DiasPeças bordadas por Dodoge

Detalhe de peça bordada por Dodoge

 

Detalhe de peça bordada por Dodoge

 

Um relato impressionante foi o que aconteceu recentemente com a cidade. Uma tromba d'água fez o ribeirão que corta a cidade subir a tal ponto que a casa de D. Nhanhá Dias ficou com o primeiro andar praticamente coberto de água. Dava pra ver a marca deixada pela água nas paredes da casa dela. Uma enxurrada que carregou tudo. Uma tsunami de águas fluviais.

Conversa vai, conversa vem, chegou a hora em que foi aberto o álbum de fotos e feitas as devidas possíveis identificações, depois de vários e proveitosos minutos ela nos ofereceu um cafezinho. Falando nisso, um irmão dela, além da D. Jacira, chegou por lá também. Seu Zizinho - de nome Antônio, se não me engano - veio somar algumas poucas informações.

Eis que tio Marcos pergunta: "Onde é que fica essa pedra de Santa Cruz?". Eles indicam a direção e seu Zizinho dá sua palavra de que nos levaria até lá. Na saída, - não me recordo bem se foi nesse momento ou na volta, quando o deixamos novamente na casa da irmã, mas eu acho que estou seguindo bem - o prefeito da cidade apareceu para nos cumprimentar. Não tenho idéia da linha política que ele segue, a qual partido ele pertence, mas o prefeito de Santa Cruz do Escalvado apertou a minha mão. A sensação que eu tive foi que simbolicamente ele nos entregou a chave da cidade.

Fomos de carro, acompanhados pelo seu Zizinho, até próximo à pedra do Escalvado, o corcovado de Santa Cruz. No caminho, de chão batido, passamos pelas obras da represa que estava sendo construída devido à tsunami feita pelo rio. Obras também de abertura e alargamento de estradas auxiliares. Já era tempo, a cidade só tem uma estrada que leva até ela. Descemos do carro e tiramos as fotos.

A Pedra do EscalvadoA pedra do Escalvado

Auxiliadora, Marcos e Gerusa em frente a Pedra do EscalvadoAuxiliadora, Marcos e Gerusa em frente a Pedra do Escalvado

Nossa missão estava quase concluída. Ainda faltava um lugar para ser visitado. A sede do Grupo Escolar, hoje escola municipal, construída sobre supervisão da Dodoge. Era domingo, trinta e um de outubro, dia de segundo turno em Niterói e eu, mamãe e tia Dora tínhamos que justificar o voto. E onde era a sessão eleitoral? Exatamente. Lá mesmo. Não era muito longe - como nada lá é longe, chega a ser uma redundância falar isso; o único ponto distante mesmo era a pedra - da casa da Nhanhá Dias e bem perto da praça da igreja.

Foi só a gente pisar lá que novamente as memórias da tia Dora voltaram. Lembrava dela quando criança de quatro anos ao lado do meu avô num platô mais elevado, no alto de uma escadaria de uma meia dúzia de degraus, jogando balas para as outras crianças. E, como o universo conspirou a nosso favor, uma das três pessoas que lá estavam na sessão eleitoral era a coordenadora da escola, Dona Menininha, de nome Aparecida. Mais papo e trocas. Acho que só a gente apareceu por lá pra justificar voto.

Escola em construção. No centro (um pouco a direita), aparecem Dodoge e MamãeEscola em construção

 Escola em 2004

Escola em 2004

AVENTURAS MINEIRAS (8)

E depois do resgate de memórias e recordações de histórias sobre o grupo escolar de Santa Cruz do Escalvado e de uma boa e gelada garrafa de água no bar defronte a escola devido ao enorme calor que fazia, voltamos, conforme prometido ao Antônio Gil, para Ponte Nova, para uma rápida visita a ele, já que a estrada nos esperava e consequentemente Belo Horizonte também.

Só um parêntese. Ao sairmos da cidade, ainda na estrada que levava à Santa Cruz, um comentário da tia Dora complementado por tio Marcos me fez gargalhar. Tia Dora comentava sobre a igreja, dizendo que ela não era tão grande quando ela esteve lá há cinqüenta e seis anos. Segundo ela, o altar não ficava distante da porta central da igreja. Que com a reforma ela foi estendida nas duas pontas. De acordo com tio Marcos, a parte que permaneceu foi a metade do meio. Ora se é metade é do meio. Feitos e entendidos as devidas explicações, a crise de riso me atacou.

Apesar de ele e a Lúcia, sua esposa, serem médicos, a nossa visita não foi tão rápida assim, como supúnhamos que iria ser. O dia estava quente sim, mas a tarde ficou mais agradável e o local onde fica a casa dele não insidia o calor que pegamos em Santa Cruz do Escalvado. Conforme o sol foi baixando o calor foi amenizando.

Como bom parente mineiro distante, a recepção foi calorosa. Eu só sabia dele através das visitas feitas para a madrinha da minha mãe, casualmente mãe dele também, quando ela relatava o que ele estava fazendo, como estava a família dele, etc. Não lembrava de tê-lo visto em outra ocasião. Alias, ele, minha mãe e meus tios não se viam há tempos. Há muito tempo. De sunga e sandália de dedos, ele aparece no portão da casa nos guiando, já que estávamos perdidos, porém praticamente defronte a residência, procurando o endereço.

Engraçado também foi ele apresentando os cachorros. Um pastor belga e um labrador. Se ele é Gil, um cachorro é o Chico e outro o Caetano. Brincalhão, com um senso de humor ótimo, Antônio Gil tem a marca da família, um espírito leve, pra cima e acolhedor. Não estou depreciando outros membros da família que não demonstram isso, mas nele essas características se sobressaem mais. Foi uma tarde agradabilíssima e o fim dessa reunião 'íntima e informal' me deu a certeza de que não será uma constante os nossos encontros com ele, mas todos serão executados no mesmo estilo que esse.

Lá pelas cinco da tarde nós fomos embora. Tínhamos que chegar em Belo Horizonte ainda naquele dia, pois já tínhamos avisado para a Maria Antonieta, outra prima - sobrinha da minha avó - ainda lá em Santa Cruz do Escalvado que chegaríamos lá à noite para outra roda de conversa. Uma das características de Minas é essa, a conversa, o papo agradável geralmente em torno da mesa farta. Não era o caso do Antônio Gil, mas também alguém tinha que ser a exceção e ele é a personificação da exceção em se tratando desse conceito. Mas vocês não têm noção das empadinhas que nós comemos lá. Teve fartura sim, e fartura de empadinhas.

A estrada, já falei aí pra trás, estava horrível. Talvez essa tenha sido a pior de todas porque além dos vários e seqüentes buracos, a sinalização era quase inexistente. Quase por que ainda havia, em alguns trechos, resquícios de tinta no asfalto indicando que algum dia já teve uma faixa de sinalização e as placas que estavam inteiras, em sua grande maioria estavam mal conservadas ou escondidas atrás de matos altos. E, para complicar um pouco mais, uma chuva caiu de modo que o instinto e a experiência como piloto do tio Marcos falou mais alto. Sem contar que praticamente atingimos o céu. O que a gente subiu por aquela estrada foi uma coisa de louco. E tem gente que ainda faz questão de ir pro Aconcágua ou pro Himalaia. Se o Pico da Neblina é o ponto mais alto do Brasil, aquela estrada deve passar pelo ponto mais alto do estado de Minas.

AVENTURAS MINEIRAS (9)

Desde o início da viagem, mais precisamente do nosso encontro casual de propósito na parada do ônibus nos arredores de Juiz de Fora, minha mãe sempre falava que durante a nossa incursão queria comer pão com lingüiça de algum jeito. Pois então, só próximo a Belo Horizonte que o desejo dela foi satisfeito. Depois de enfrentar a buraqueira da estrada e chuva em alguns trechos do percurso, - não consigo lembrar se enfrentamos chuvas realmente nessa parte - era preciso abastecer o carro que começava a dar sinais de baixo teor de gasolina, indicado pela luzinha amarela no canto do painel.

Num posto de gasolina de beira de estrada já entrando na região metropolitana de BH paramos para abastecer. Minha mãe pediu para eu perguntar se tinha pão com lingüiça. Tinha. Pra falar a verdade era a especialidade da casa, digamos assim. Uma tripa inteira estava sendo frita na chapa e a gente aproveitou pra comer. O pão era bem guarnecido com as lingüiças que nem chegava a fechar. E como a gente não tinha almoçado e a única coisa que nosso estômago trazia eram as empadinhas do Antônio Gil, acho que nunca uma lingüiça me deu tanto prazer - sem maledicências, por favor - quanto a que estava entre as duas bandas do pão.

Mais alguns minutos dentro do carro e chegamos à capital mineira. O local cuja parada seria a primeira, ou seja, na casa de Maria Antonieta, não ficava muito distante do rodo-anel da cidade. E pra gente que estava buscando as raízes da família, casualmente ela morava praticamente defronte a praça da igreja em que a minha mãe foi batizada. Pra surpresa nossa quem estava lá com ela? Luizinho. Um outro primo nosso (essa família é tão grande que eu só consigo distinguir meus primos de primeiro grau dos outros, ele compõe 'os outros') e sobrinho dela. Situando, Maria Antonieta é sobrinha da minha avó, isto é, prima da minha mãe e meus tios.

Paramos pra conversar. A conversa foi rápida. Se a gente considerar a hora em que chegamos, por volta das dez da noite e a hora em que fomos dormir, por volta das duas da manhã foi uma conversa rápida, tal qual com Antônio Gil. Talvez a dele tenha se estendido mais um pouco. Isso sem contar a busca por um hotel pro nosso pernoite entre telefonemas e visitas, que foi só uma mesmo e no hotel que dormimos. Por sinal, a poucos metros de onde mora Maria Antonieta, que deixou de ir aquele dia para a cidade de Formigas com o Luizinho, visitar o Mauro, que se não me engano é irmão dela, só para nos receber e postergou por mais um dia - pra falar a verdade algumas horas de modo que tanto eles quanto a gente iria deixar a cidade pela manhã.

A noite que passamos em Belo Horizonte, em termos de descanso, foi a pior noite que eu passei. Não dormi direito. No café da manhã, no refeitório do hotel descobri que ninguém tinha dormido bem. Sei lá. Segundo tia Dora poderia ter sido a excitação do dia anterior. Afinal não é todo dia que se vai à terra natal da minha avó e se conversa com pessoas que, de certo modo, conviveram com ela, além de visitar os locais como a famosa Pedra do Escalvado e o grupo escolar construído em mutirão sobre a supervisão de Sá George. (Depois da viagem recebi uma foto da época que mostra exatamente como a escola foi erguida, inclusive minha avó está entre as pessoas que fizeram essa tarefa.)

E por falar em terra natal, era a hora de irmos a Matheus Leme, terra natal da minha mãe. Ela só é nascida lá. Se mudou pra Barbacena com poucos meses de idade e desde então não havia colocado os pés nela. Aliás, esse foi o principal motivo dela embarcar nessa turnê; conhecer sua cidade natal.

Terminamos de tomar o café, pegamos nossas malas, pagamos a conta do hotel, fomos até o estacionamento onde estava o carro, cerca de cinqüenta metros do hotel - não chegava nem a isso - e partimos com o objetivo de chegarmos a Matheus Leme.

AVENTURAS MINEIRAS (10)

O dia estava quente. Aliás, bastante quente. Provavelmente o dia mais quente da viagem. Fazia é calor, mas enfim, tínhamos que completar nossa jornada. Pra quem nunca foi a Matheus Leme, ou quem não vai lá há muito tempo, a ida leva uma eternidade, muito mais tempo que a volta quando a gente constata que andamos apenas em torno de uma hora. Saímos de BH e passamos por Betim, - famosa pela fábrica da Fiat - Contagem e outros municípios da região metropolitana. Era caminho. Por falar em caminho, nessa pouca mais de uma hora até a chegada a cidade era curioso o que alguns pontos de vendas de beira de estrada faziam. Punham cartazes com os itens dependurados em árvores. Verdadeiros menus a disposição dos motoristas. Pamonha, água de coco, pão com lingüiça, tinha de quase tudo. Passamos por uma fábrica da Ambev também.

A cidade que nunca parecia chegar surge ao nosso lado. A alegria da minha mãe é visível, afinal, 51 anos depois, finalmente, ela vai conhecer a cidade em que nasceu. Entramos na cidade e fomos direto para a praça principal, aquela da igreja e tal. Paramos o carro defronte a uma casa antiga ali e fomos rodar a região. De acordo com a memória da tia Dora muita coisa tinha mudado ali. Construíram até um coreto como extensão da praça, mas era naquela área que minha mãe havia nascido. Perguntamos a algumas senhoras que estavam proseando ali se alguém, por ventura, conhecia, mesmo que de fama, o médico da cidade de meia década passada. Elas nos indicaram fazer visita a uma senhora na casa cujo carro estava parado em frente. Tia Dora se lamentava em não ter às mãos o telefone de contato da Marlene - outra parenta distante da gente - que poderia nos auxiliar em estabelecer contatos mais definidos na cidade. Fomos até a tal casa e batemos à porta. Como o nosso cartão de visitas era a história da família, principalmente a da minha mãe, fomos contando a ela o que estávamos fazendo lá. Não só o estilo de construção da casa, mas os móveis antigos e duradouros me impressionaram. Conversa vai, conversa vem, mais uma descoberta. A anfitriã da casa, D. Edwiges, é irmã da Marlene. Saímos de lá e fomos almoçar num recém inaugurado restaurante que havia há cerca de 50 metros da casa. Esse estabelecimento se localiza exatamente ao lado do terreno, hoje baldio, mas que um dia foi a casa onde minha mãe havia nascido. Da casa, só restaram as jabuticabeiras. Fotos do local, só das árvores. Atrás, passa a linha do trem, cuja estação totalmente abandonada ainda se mantém de pé.

Estação em Matheus Leme

 

 

    Estação de Matheus Leme

 

Pra encerrar nossa visita à cidade, só faltava o cemitério. Por ser véspera de finados, estava bastante movimentado pelos coveiros e funcionários. Brincamos de 'caçadores do tumulo perdido' onde estão enterradas Leonor, Georgeta e Branca - esta última, minha bisavó. A super memória da tia Dora nos deu a dica que estaria em algum lugar atrás da capela. Depois de vários minutos de busca, eu e tia Dora achamos a tumba devidamente fotografada pelo tio Marcos. Eu estava tentando decifrar que nome estava escrito na placa em alto relevo na cabeceira quando tia Dora viu gravado na louça fria o nome de Branca Marinho Sette e chamou por minha mãe e tio Marcos. Até o coveiro veio nos agradecer pelo achado, já que havia um problema administrativo a ser resolvido. Dissemos a ele que entraríamos em contato com a responsável pela cova, Maria Antonieta, para que ela resolvesse esse problema. Até hoje nem sei se ela foi avisada sobre.

Túmulo de vovó Branca

    Túmulo de vovó Branca 

Túmulo de vovó Branca

Com chuva desde a região metropolitana de BH, primeiro pelo fato do calor em excesso e depois com uma queda de temperatura, voltamos pra Barbacena chegando no início da noite, comprando já a passagem pro dia seguinte às 10 da manhã e contando as novidades pro pessoal de lá. E dessa vez ficamos por lá mesmo, sem ir pra hotel.

Marcos, Gerusa, Ana e Isa em Barbacena

 Marcos, Gerusa, Ana e Isa em Barbacena

FIM